Porque a obra original sempre é mais legal.
O primeiro contato que tive com No.6 foi engraçado. Nunca fui de acompanhar animes da temporada, só sabia que uma tinha acabado quando via várias séries novas completinhas me esperando para maratonar. Na época estava com muita vontade de assistir algo semelhante a Death Note e fui perguntar para um “especialista” em animes – só não coloco mais aspas na palavra por causa da poluição visual – se ele conhecia algo recente e que tivesse um plot parecido. Ele me recomendou No.6. O resultado disso? Primeiro estranhei demais o anime, ainda mais porque estava procurando algo semelhante a história que queria, e depois que terminei, provavelmente porque fui enganado, acabei não gostando do que vi. Para ser bem sincera, quando soube do anúncio do mangá eu nem me animei, mas depois de um evento otaquinho que ocorreu recentemente, onde entrei no estande da editora NewPOP e peguei o primeiro livro da série, as coisas mudaram.
A HISTÓRIA
No. 6 conta a história de uma nação utópica formada por seis setores, cercados por um muro gigante que os separa do resto do mundo. Nesse lugar tudo é perfeito e maravilhoso, as pessoas são felizes e tudo está bem. Isso pelo menos é o que o governo de lá te obriga a pensar, pois existem muitos mistérios envolvendo esse lugar. Por trás desse mundo supostamente utópico, ou seja, passando para o outro lado de seus altos muros, se encontra pobreza, miséria, infelicidade: um lugar chamado Distrito Oeste. Existem diversas pessoas vivendo em favelas ao redor dos muros dessa cidade perfeita, pessoas passando fome, sofrendo sem ter proteção, à mercê de diversos perigos. É nessa divisão entre dois mundos completamente distintos que dois personagens acabam por se conhecer: Shion e Nezumi. O segundo acaba numa noite chuvosa fugindo do governo, ferido, daquele lugar e invade o quarto de Shion, que ao ver as feridas do outro menino o ajuda.
Por ter ajudado Nezumi a fugir, Shion e sua mãe perderam o direito de viver em Chronos (lugar luxuoso onde eles estavam) e são movidos para a Lost Town, um lugar um pouco mais humilde mas ainda dentro da No. 6. Alguns anos se passam, Shion agora está trabalhando como monitor de um parque e Karan, sua mãe, agora tem uma padaria. Um dia, depois de certos incidentes, Shion é salvo por Nezumi que o leva para o local onde ele mora. Assim, os dois acabam se unindo para descobrir o que realmente se passa na No. 6; entretanto, de um lado Shion quer salvar a cidade achando uma cura para os parasitas, enquanto Nezumi quer a destruição da No. 6 sem se importar com suas consequências.
CONSIDERAÇÕES TÉCNICAS
No. 6 é uma série criada por Asano Atsuko em 2003 e que rendeu 9 livros publicados pela Kodansha, muito elogiados no Japão. Em 2011, Kino Hinoki deu vida às páginas transformando-as em uma série de mangás na revista shoujo Aria, também da Kodansha. Assim como os livros, o mangá também rendeu 9 volumes encadernados. A série ganhou muita notoriedade em julho de 2011 quando ganhou uma adaptação animada de 11 episódios pelo estúdio BONES.
Uma nota importante é que No. 6 originalmente se trata de um livro, e não de uma light novel.
“Mas não são a mesma coisa?”
Sim, e não. Apesar de usarem uma linguagem e uma comunicação com o público muito semelhantes, uma light novel na maior parte das vezes apresenta o acréscimo das ilustrações em situações específicas. Além disso, uma novel apresenta uma linguagem um pouco mais “despreocupada” do que a maioria dos livros em geral. Se você leu No Game No Life e em seguida ler No. 6 deverá entender a colocação.
No. 6 é mais um livro que trata de uma sociedade distópica (em que o regime foge da nossa realidade). Aqui, os personagens vivem sob constante vigilância do No. 6, que regula desde o nível de inteligência até o nível de importância dentro da população. Isso acaba gerando conforto para os mais privilegiados, bem como uma miséria irredutível para com os menos favorecidos. Porém nem tudo é as mil maravilhas: tirando o governo, ninguém mais está plenamente satisfeito com o cerco que se fecha. Você nasce e morre com seu destino escrito, e é aqui que o livro realmente prende sua atenção. Os dois protagonistas colocam a todo instante seus pontos de vista e definitivamente te fazem escolher uma posição sobre tudo. E da mesma forma que eles, determinados acontecimentos causam a dúvida até mesmo do leitor.
Em muitos momentos percebemos referências a grandes obras de sci-fi em geral, desde Blade Runner à trabalhos de Asimov (para os que não conhecem recomendo que pesquisem o catálogo literário da editora Aleph). Não necessariamente escritas com todas as letras, mas em entrelinhas muito bem amarradas pela autora. Toda a participação da inteligência artificial dos andróides, a ideia de existir algo dentro de sua mente desde o início e um personagem forte que se destaca como um rebelde. Foi apenas o primeiro livro, mas a capacidade de envolver os fãs desse gênero realmente surpreende. Não apenas por todos os elementos em si, mas também pelo poder de usá-los de maneira correta, sem atropelamentos e sem atrapalhar em nada na leitura ou na compreensão da trama principal. Como sempre digo, o problema não são os clichês – afinal eles existem por darem certo (ou muito errados em alguns casos) – e sim que eles sejam bem empregados.
Também é interessante como a questão da sexualidade é bem tratada pela obra. De maneira bem direta. A passagem em que Shion é convidado, literalmente, para ter relações com determinada pessoa chega a ser engraçada. (Aviso: se você tiver mentalidade 5ª série ou vai entrar em uma crise de riso ou vai ser babaca e deixar a leitura de lado). Da mesma forma, a relação construída entre Shion e Nezumi é realmente agradável e palpável. Desde o primeiro encontro entre eles, até tudo que se desenvolve anos mais tarde. É muito legal ver pequenos elementos – como diálogos envolvendo outros personagens – que confirmam mais ainda a forma como Shion se encanta pelo seu salvador tsundere.
Acho que é importante frisar muito nessa questão da obra retratar com tanta naturalidade a diversidade de gênero. Em primeiro lugar, No. 6 não se trata de um yaoi. Nem o livro, nem o mangá. Retratar a relação do mesmo gênero em uma obra não define sua demografia. No. 6 é uma obra de ficção científica com romance, que aliás passa longe de ser o foco da trama. Todo o clima proporcionado pelo casal principal é usado em passagens como um ingrediente da obra, mas não chega a ser o ponto principal da mesma. Acho engraçada toda a luta pela igualdade de gênero quando nem ao menos podemos aceitar um casal do mesmo sexo como protagonistas de uma série. Preconceito é um dos principais inimigo do sucesso de No. 6 por aqui – um público que deveria responder como maduro, não consegue deixar de lado comentários do tipo “isso é coisa de gay” e outros termos bem desnecessários (nem precisamos ir muito longe pra ver coisas assim, afinal os comentários da página da própria editora já nos fornece um show de horrores).
A EDIÇÃO NACIONAL
A história é boa, mas e a sua edição brasileira, como ficou?
Para começar, vamos falar do acabamento. O livro apresenta uma bonita capa cartonada, com um logotipo muito simpático e a ilustração original da obra japonesa. Orelhas – com sinopse e história da autora – também marcam presença (e dessa vez sem erros de português aqui, como aconteceu em No Game No Life ou em Zero Eterno, da JBC). Na quarta capa uma sinopse na parte inferior (a mesma da orelha), além do código de barras. A editora optou também por uma lombada simples, mas que funciona bem. As fontes também foram bem escolhidas na composição. Destaque principalmente para o papel da edição, o avena, extremamente agradável ao toque e que visualmente lembra muito o pólen. Fiquei extremamente satisfeito com essa escolha. A periodicidade é irregular, o preço é de R$24,90 e o formato da publicação foi o de 12,8 x 18,7 cm.
Porém, acredito que não é novidade para ninguém encontrar erros nos produtos oferecidos pela NewPOP, sejam eles erros de ortografia, concordância, separação silábica e tantos outros que já tivemos o (des)prazer de presenciar. Para quem compra os mangás não deve sentir tanto, porém com livros e novels a situação já é um pouco mais grave. O primeiro livro de No.6 tem erros grotescos, como por exemplo, em uma única página a escrita estar no presente, no passado e no pretérito perfeito; pode parecer frescura, mas um leitor assíduo se incomoda com isso, pois é algo que não deveria acontecer com uma editora grande. Aliás, a partir do momento em que o consumidor adquire um produto, que ele paga por aquilo, ele tem sim o direito ao melhor.
Admiro e muito a NewPOP por estar se arriscando nesse tipo de mercado – ainda mais por estar fazendo nisso em um país que não lê – e fico feliz por estarem trazendo séries que provavelmente outras editoras não se dariam o braço a torcer. Só gostaria de chamar atenção aos erros bobos, pelo menos em dez páginas diferentes haviam erros bem notáveis durante a minha leitura, e uma das que quero ressaltar é em uma página em que as últimas três últimas linhas estavam com um espaçamento menor, como se as palavras estivessem grudadas umas nas outras. Apontei tais características, pois eu amei o livro e pretendo acompanhar até o fim da série, mas não será assim com todos que o comprarem e, quem continuar, também vai querer uma qualidade padrão, pelo menos no português. Ou seja, exigir do que quer que haja uma evolução, uma melhora, por isso, se encontrou falhas da editora no produto, mande um e-mail para a mesma. Ela não é adivinha, então os consumidores podem e devem exigir o melhor dela.
COMENTÁRIOS FINAIS
Confesso que não faço questão de ter os livros de No.6 na minha coleção ou ter eles na estante para chamá-los de xodó; esteticamente falando eles não me chamam atenção (não que sejam feios, apenas outros livros parecem mais atraentes) e até enrolei alguns dias para começar a ler justamente por isso. Mas esse é o famoso “julgar um livro pela capa”. O ponto que estou tentando chegar é: posso não ter interesse de preservá-los comigo, mas depois do primeiro livro eu apenas consigo me sentir na expectativa para os próximos volumes que estão por vir, porque é um material que mesmo para quem tem conhecimento no inglês ou saiba o básico de japonês pode conseguir no Brasil facilmente e por um preço válido. Algo que ainda gostaria de ressaltar é sobre quem está comprando apenas o mangá e deixando a novel de lado; não é obrigação comprar os dois, mas acredito que a segunda opção seria bem mais favorável para quem quer se aprofundar na série, para quem quer mais detalhes, porque afinal de contas, tudo surgiu graças a ela. Fica a dica.
No fim das contas, minha recomendação é que se você ainda carrega esse preconceito bobo, saia por um instante de sua bolha social e aproveite uma grande leitura. Na verdade, fico curioso para ver como a autora trabalhará esse relacionamento na obra nos próximos 8 livros. O potencial para usar isso como uma das grandes sacadas da história é sensacional. Espero que minhas expectativas se cumpram.
Ainda sobre a versão da NewPOP, torcemos para que exista um capricho maior na revisão do material, que tem um acabamento gráfico muito simpático, mas que desanima muito no quesito português. Parar uma leitura com a sensação de que tem “algo errado” em uma palavra, uma frase ou o que quer que seja, é desconfortante. Além disso, a padronização é importantíssima (em uma mesma passagem eu pude localizar “Número 3”, “número três” e “Número Três”, em três grafias diferentes ao falar de um determinado personagem). Trabalhar com livros ou novels exige um cuidado de revisão ainda mais específico do que o de mangás, e nesse caso a editora está devendo bastante nesse tipo de material (embora há de se falar da melhoria alcançada se compararmos aos primeiros lançamentos alguns anos atrás).
FICHA TÉCNICA
Título: No. 6 (Number 6)
Autor: Asano Atsuko
Editora: NewPOP
Total de volumes: 9
Periodicidade: Indefinida
Valor: R$ 24,90
Pontos Positivos
- Trama super envolvente;
- Facilidade com que a autora envolve diversos temas;
- Referências de grandes clássicos.
Pontos Negativos
- Em alguns momentos a história não flui tão bem;
- Falta de certeza quanto a periodicidade do material;
- Muitos erros de concordância e falta de revisão.
Nota Volume 1: ★★★★