Aoharaido e a última chance de shoujos no Brasil

Aoharaido Manga ShoujoA importância de um título para um nicho de leitores.

A Panini bateu o martelo e, depois de muitos pedidos, resolveu novamente apostar em shoujos. E para isso o escolhido foi Aoharaido, título dessa demografia que mais vendeu no Japão em 2014 e o segundo mais vendido da atualidade – ficando atrás apenas de Kimi ni Todoke, mangá também publicado pela Panini e que a mesma confirma que tem boas vendagens comparadas com outros mangás shoujo.

aoharaido postO fato é que podemos considerar Aoharaido como a última grande esperança dos shoujos no Brasil. Conhecemos a Panini. Se não vende, eles não trazem mais. Simples assim. Não importa se é shoujo, shounen, seinen, ou qualquer outro tipo de mangá. Mas é fácil notar que os shoujos adquiriam um currículo negativo por lá. Anos atrás, a Panini saturou o mercado com diversas obras aleatórias. Alliance Cross, As Estrelas Cantam, Tokyo Mew Mew, Ultramaniac, e diversos outros. Resultado: Ficamos anos sem nada realmente novo. Apenas os títulos razoáveis se mantiveram até o final, como é o caso de Black Bird, Vampire Knight e, claro, o próprio Kimi ni Todoke. Durante muito tempo só tivemos alguns lançamentos ocasionais – como foi o caso do esquecível Full Moon.

“Shoujos não vendem”.

Essa foi a imagem que sempre foi passada para o leitor, tanto da Panini quanto da própria JBC de maneira ainda mais clara (o irônico é que o título de maior expressão da editora em 2014 foi justamente um shoujo – Sailor Moon – que a mesma diz “ser diferente”). Mesmo as editoras “menores” parecem seguir o mesmo padrão – apesar de, NewPOP e Nova Sampa estarem com material shoujo em seu catálogo de 2014, mesmo que alternativos ou pouco conhecidos. E de verdade? Eu não duvido disso. Shoujos vendem menos até no Japão. Com raras exceções, como os mangás da Betsuma (Kimi ni, Aoharaido, Ookami Shoujo, Oremonogatari), shoujos que vendem cerca de 100 mil unidades já são considerados hits. Número que é extremamente comum entre os shounens e, em alguns casos, considerado vendas baixas.

vampire knight mangaMas é claro que a culpa do sucesso do shoujo, ou da falta dele, não é exclusivamente do leitor. Nos Estados Unidos um público foi formado aos poucos. Em pesquisas recentes, comprovaram que a maior parcela de leitores de obras em geral (livros, revistas, e outros) são mulheres – inclusive no Brasil, onde mulheres se declaram grande fãs de obras de detetives e romances. Nos EUA, o mercado de quadrinhos Marvel e DC passou a ser menos consumido pelas mesmas, que encontraram nos mangás uma alternativa. E as editoras souberam aplicar isso de maneira correta. Um selo shoujo foi criado pela VIZ (o Shoujo Beat) com pessoas especializadas em tal demografia. Marketing foi feito em exaustão, com propagandas em revistas teen, em locais frequentados pelo público alvo. Hoje, o selo Shoujo Beat é sólido, com cerca de 6 a 8 títulos anunciados todos os anos, variando também com joseis. Não é o mesmo hit de vendas de um Naruto ou de um Bleach, mas é o suficiente para se segurar no mercado e possibilitar a renovação do público.

No Brasil falta o planejamento adequado. Não adianta lançar um título desconhecido, ou um mangá com acabamento lindo, de 20 reais, de 400 páginas, mas sem a divulgação adequada. O público não é bobo. Ele quer shoujos, mas quer shoujos conhecidos.

“Vocês não querem shoujos, querem o que vocês gostam.”

Tal frase chega a ser risória. Isso cabe a qualquer demografia. As pessoas não querem qualquer shounen. Elas querem o que elas gostam. Caso seja mentira, me digam porque os shounens mais conhecidos e populares estão aqui? Ué, shounen não deveria vender pelo simples fato de ser shounen?

lovelycomplexAoharaido chega carregando um peso de toda a demografia, mas foi a escolha mais correta da editora. É um título atual, com uma arte atual, com um anime recém finalizado e com intensas amostras de que é o título mais popular no Japão. Além disso, a autora já divulgou que o mangá está prestes a se encerrar. Talvez ao lado de Lovely Complex, sejam os dois títulos que tenham a capacidade de renovar o mercado. A Panini acertou. 

Mas não basta.

Continuo insistindo que um título não pode ser simplesmente conhecido entre o nicho. Uma divulgação, um marketing e um investimento é necessário. E veja bem: isso não significa apenas fazer um vídeo no YouTube ou divulgar algo no Facebook. Marketing é gastar dinheiro para fazer dinheiro. O próprio Sailor Moon foi um exemplo disso. Divulgar em cartazes de metrô é um diferencial, por exemplo. Pouco ainda, mas um começo já que é o meio de transporte que mais movimenta em São Paulo hoje. Será que um dia as editoras estarão dispostas a isso não somente com um título, mas com todo o seu catálogo? É uma piada querer que um título bom, com ótima história, mas desconhecido, venda como um Naruto ou um Sailor Moon.

“O leitor deveria procurar no Google se quer mais informações.”

Todos nós sabemos que não é assim que funciona. Você não vai no Google e digita “meu mangá favorito sai no Brasil?” do nada. Aliás, se todo o mercado insiste em falar que a internet não é a melhor maneira de medir um sucesso nas bancas de jornal, como exigir que o leitor tenha a obrigação de usar a mesma como seu meio de busca? Isso é algo inimaginável. Enquanto as editoras literárias se esforçam em promover seus best sellers em exaustão em pontos de venda, shoppings, centros urbanos e transportes, as editoras de quadrinhos querem que o leitor simplesmente corra atrás da informação? Pelo que estudei em marketing, é obrigação do vendedor fazer o seu produto chegar até o leitor, e não esperar que ele simplesmente venha até ele.

aoharaidotoumaMas isso também não significa que os leitores devam ser isentos. Agora chegou a hora de provar que todos os pedidos, os movimentos da internet, e todos os e-mails enviados são reais. É hora de todos abraçarmos o lançamento de Aoharaido para que ele possa expandir tal mercado. Não é seu título favorito? Tudo bem. Mas se você acha ao menos interessante, compre. Pense nisso como um investimento para que futuras obras também possam chegar ao Brasil. Essa é, sem dúvidas, nossa última chance nos próximos 10 anos, provavelmente. Vamos ser sinceros: muitos dos leitores fazem parte do grupo que “pedem, mas não compram”. Ou melhor ainda: o grupo do “cancelou, eu não comprava, mas vou reclamar mesmo assim”. Como eu disse, as editoras tem a sua parcela (e muito) de culpa. Mas nós também temos em cancelamentos, em baixas vendas. Não são poucas as pessoas que eu ouço falar “já li na internet, não vou comprar”.

Resumindo tudo: Sobra para todos. Todos têm que fazer sua parte. O mercado necessita disso. Seria péssimo ver o Brasil saturado de battle shounens ou de seinens ao estilo Battle Royale. Mangá não é só isso e quem trabalha com tal produto sabe. Fechar as portas para o público shoujo é o mesmo que ignorar uma possível brecha em uma bolha no futuro para que a máquina não pare.

Que Aoharaido consiga provar que muitos estão errados, e que os leitores têm sim o poder de pedir e fazer a diferença. Torçamos juntos para que todos tenhamos um final feliz e que o mercado comece com o pé direito em 2015.

Dih

Criador do Chuva de Nanquim. Paulista, 31 anos, editor de mangás e comics no Brasil e fora dele também. Designer gráfico e apaixonado por futebol e NBA.