Lindo, tanto em arte, quanto em história.
Tenho muitas marcas negras na minha carreira de amante da cultura japonesa e, se tratando de filmes, a coisa só piora. Não gosto de boa parte dos filmes da Ghibli, não acho Akira tudo isso que a mídia diz, e, até pouco tempo atrás, não conseguia gostar de nada que o Makoto Shinkai fazia. É, podem tacar pedra, mas respeito, e muito, todas essas obras e, mesmo não gostando, entendo porque elas são tão importantes e cultuadas dentro do universo otaku – e de cinema em um geral.
Porém essa última afirmação mudou esse ano quando fiz um podcast com alguns colegas meus. Eu precisava escolher um filme para falar no programa e fui procurar por experiências novas. De surpresa, acabei encontrando o The Garden of Words ou Kotonoha no Niwa de 2013 e, bem, não consegui reunir palavras para me expressar sobre o que assisti. Até agora.
A HISTÓRIA
Takao Akizuki é um colegial de 15 anos que está cada dia mais entediado com o seu cotidiano de precisar ir ao colégio e assistir aulas cada vez mais chatas. Seu grande sonho é ser um sapateiro, mas sua família (constituída de uma mãe melodramática e um irmão já adulto) não parece acreditar que ele vai conseguir alguma coisa com isso. Em dias de chuva, o garoto sempre pega um desvio do seu caminho para a escola e acaba matando aula para ficar desenhando sapatos em um belo jardim no parque de Shinjuku. Lá ele encontra Yukino Yukari, uma mulher que também mata seu trabalho para ficar naquele mesmo lugar, bebendo cerveja e comendo chocolate.
Em meio a época de chuvas no Japão, onde é quase certeza que todo dia a chuva vai cair sem trégua na cidade, os dois acabam se encontrando e aos poucos vão ficando cada vez mais próximos. Takao estava fascinado tanto pela mulher, quanto pela vida adulta que ela representava, já Yukino via nele as lembranças de uma juventude perdida e os seus erros do seu presente.
CONSIDERAÇÕES TÉCNICAS
The Garden of Words é um filme de apenas 46 minutos lançado em 2013, produzido pela CoMix Wave Films e dirigido por Makoto Shinkai. Se vocês, leitores, procurarem imagens ou até mesmo videos sobre ele, vão encontrar, talvez, um dos maiores e mais impactantes momentos da obra. A animação é a mais espetacular que já vi, seja japonesa, americana, 3D ou em 2D. Nos 10 primeiros minutos eu tirei screenshots desesperadamente e cada uma poderia tranquilamente virar um wallpaper (tanto que guardei grande parte delas). O cenário do jardim apresentado na animação é maravilhoso (e ele existe na vida real!), a chuva é algo que não consigo descrever e, não poderia ser diferente, afinal de contas, ela é essencial para a narrativa. O design de personagens também me agradou muito, a Yukino parece muito com a sua dubladora (Hanazawa Kana) e eles realmente aparentam ser pessoas (Que saudades de mulheres que realmente parecem mulheres!). Podemos ver um toque diferente do diretor em vários momentos. Minha cena preferida é uma em que o rapaz está tirando as medidas do pé dela para fazer um sapato. Essa parte poderia muito bem ser onde os dois finalmente se beijam, mas não, ele usa várias tomadas lindas, com uma música de fundo, tornando aquilo, de certa forma, tocante.
A história é uma espécie de romance, mas não é do tipo normal que vemos em animes colegiais ou em comédias shounen. Em vários momentos a relação entre os dois personagens é muito sútil e que poderia ter sido levada para um lado mais pegajoso, estragando totalmente a cena. Takao é um garoto que quer ser um adulto o mais rápido possível, ele acabou precisando se tornar maduro por causa de algumas circunstâncias de sua família, mas é engraçado ver como ele se torna infantil ao ficar perto da Yukino.
É engraçado também perceber como a chuva parece ser um personagem ali na trama, quase onipresente em boa parte do filme e que, em um certo momento, me peguei torcendo para que ela voltasse a aparecer logo. Já a Yukino é alguém que por um motivo está parada no tempo, não consegue nem ao menos cozinhar direito, só usa de mentiras para falar com os outros e acaba utilizando o garoto para se motivar a caminhar em frente. Ela é o grande motivo de me identificar tanto com esse filme.
Eu tive um grande problema na minha vida alguns anos atrás, por conta de vários problemas pessoais (mulher, estudos e trabalho) acabei tendo uma depressão e também parei no tempo, não tendo motivação para seguir em frente. Todos os acontecimentos que são mostrados em relação a essa personagem aconteceram de maneira quase exata comigo e isso mexeu com as minhas emoções, tanto que, acabei chorando como um bebê no final do filme.
COMENTÁRIOS GERAIS
Eu me envolvi com esse filme de uma maneira que nunca me envolvi com qualquer outro tipo de animação, tanto por causa de sua arte maravilhosa, quanto sua história, que bateu de maneira até mesmo assustadora com a minha. Para uma narrativa de 40 minutos é claro que muita coisa acaba não sendo totalmente desenvolvida, mas é muito interessante ver como o romance e os personagens são tratados, muitas vezes com uma sutileza linda e tocante.
Então aproveitem o seu próximo final de semana para pegar ele para assistir. Recomendo ver em HD mesmo para aproveitar tudo o que Makoto Shinkai quis passar pela arte e som. E, confesso que essa obra me deixou animado para pegar novamente os filmes anteriores e ver o quanto minha percepção mudou em relação a época que em que assisti e a de hoje. Quem sabe eu tire essa mancha negra do meu currículo? Para quem se interessou por Makoto Shinkai, vale lembrar que temos um texto super completo sobre ele na coluna Otakismo.