“Professora, o Kurono tá de…”
“Seinen com cara de shounen” ou “Shounen com cara de seinen”. Você verá muitas pessoas falando isso de Gantz. Isso porque Gantz foi para muitos um dos primeiros contatos com essa demografia por aqui, tanto pelo anime, como pelo mangá. O fato é que conquistou muitos jovens pela sua linguagem mais “direta”, ou pelas suas ilustrações ou até mesmo pelo apelo pornográfico ou de ação que a série apresenta desde o primeiro volume.
Porém, o tempo passa e a opinião de muitos sobre certas obras acaba se modificando. Por que? Por diversos motivos. Seja pelo cansaço em acompanhar um mangá, seja pela queda de rendimento do autor, seja pelas lacunas deixadas na história. As razões são várias.
Nesse review, veremos porquê Gantz ainda é um dos queridinhos de muitos leitores, e mesmo com seus erros, ainda é uma leitura recomendada. Ou não?
A HISTÓRIA
Tudo começa com a morte de Kei Kurono, um estudante comum, mas que por uma má sorte do destino se vê “obrigado” a ajudar seu amigo de infância, Masaru Kato, a salvar um bêbado que caiu nos trilhos do metrô. Até conseguem salvar o bêbado, mas não à tempo de poderem sair dos trilhos, assim sendo atropelados e indo parar em um quarto com uma grande bola preta. Logo é revelado pela bola (!!!) que eles devem caçar um ser denominado “alienígena”. Sem respostas, porém cheios de perguntas eles se veem obrigados a seguir aquelas ordens.
Eles não sabiam o quão grande e impiedoso era “este mundo”. Apenas ser obrigado a caçar “alienígenas” durante a sua “segunda vida”? Não.
CONSIDERAÇÕES TÉCNICAS
Lançado no Japão de 2000 até 2013 na revista semanal Young Jump (Elfen Lied, Zetman, Tokyo Ghoul) e publicado no Brasil pela Editora Panini de 2007 a 2014, somando 37 volumes, Gantz é o mangá de maior sucesso de Hiroya Oku, mangaká um tanto quanto egocêntrico que diz preferir fazer seus mangás sem ler opiniões alheias. Além do mangá, Gantz foi animado pelo Estúdio Gonzo em 2004 rendendo 26 episódios (mas deixo avisado que o final é filler), além de dois filmes live-action em 2011 com um final alternativo. Tanto anime, pelo Animax, quanto os filmes, pelos canais HBO/Cinemax, foram exibidos no Brasil.
A primeira vez que tive contato com Gantz foi durante os meus incríveis 12 anos. Sim, 12 anos. Agora me respondam: conseguem imaginar o quanto eu achava o mangá fascinante com essa idade? Acho que sim. O que tenho a dizer é que depois da releitura que fiz anos depois consigo enxergar pontos negativos e positivos que não via naquela idade por motivos óbvios, mas o entretenimento que tive com a obra foi tão grande quanto.
Quando pequeno, temos aquela máxima “uau, tem sangue”, o melhor elogio possível para alguém dessa idade (Cavaleiros do Zodíaco tá aí pra provar o mesmo). Agora pense que Gantz tem alguns momentos mais “picantes” e “pesados”, um prato cheio para alguém que não possuía autocrítica. Agora vejo a trama de uma maneira mais límpida, sem aquele pensamento infantil de antes. Consigo ver algumas analogias, entender nas entre linhas e localizar erros. Dessa maneira tornando cada leitura diferente, mas ainda assim extremamente empolgante, devorando todos os volumes.
Gantz é um mangá que não deve-se esperar muito do roteiro, pois esse não é o objetivo dele. Desde o começo percebe-se a ação frenética, sem muito foco nos “porquês” já que tudo isso não importa por enquanto. O objetivo é sobreviver, mas a “realidade” é cruel demais. Claro que temos muitos esclarecimentos e até ótimas explicações para perguntas que poderiam ser consideradas impossíveis, mas ainda assim, o foco de Gantz sempre foi a ação em geral e o sentimento humano.
Um dos motivos por eu me apegar tanto a obra é o tratamento genial que Hiroya Oku dá ao “ser humano”. Chorar por uma morte, sentir-se vivo, descobrir a importância de uma pessoa apenas depois de perdê-la, a grande barreira que o amor cria no seu raciocínio, até onde chegamos para alcançar a “felicidade”, a enorme ignorância do ser humano, a tristeza da guerra, os diferentes sensos de justiça. São tantos pontos abordados na obra que não consigo descrever tudo isso em menos de dez linhas.
Além da ação, o ser humano é o principal foco da obra.
O homem é um ser mesquinho, isso todos nós sabemos, mas Gantz vai até a raiz do ser para te mostrar todas as facetas que ele possui. Só que a obra não fica restrita apenas a “alienígenas”, adicionando “vampiros” (não exatamente como vocês estão imaginando) e até mesmo poderes paranormais. Mas fiquem tranquilos, já que o autor consegue fazer com que você aceite isso.
Matar um outro ser não é a mesma coisa que matar um igual? Onde está a linha do correto e do errado? O que é ser racional? Pode parecer estranho para vocês, mas gosto do Katou pelo simples fato de ele ser o tipo de pessoa que pensamos não existir nos dias de hoje. Salvar os outros não é uma opção, é um dever. “Não faço isso por mim, faço isso por acreditar ser o certo”, esse é o pensamento da personagem do começo ao fim.
Só que o ápice de Gantz se resume a um personagem: Kei Kurono. O contraste entre Kurono e Katou é absurdo, fazendo até que você escolha um “lado”. Todas as facetas do ser humano podem ser localizadas em um só personagem. Juro que vocês não tem noção de como gosto tanto desse personagem. Kurono começa sendo uma pessoa e termina sendo outra totalmente oposta. “O amor muda as pessoas” é uma verdade universal.
No percorrer da leitura você consegue ter os mais diversos sentimentos pelo personagem, de ódio a identificação, de pena e até um “morra”.
Mesmo com 37 volumes, Gantz não é um mangá com vários personagens cativantes, mas possui aqueles que se destacam, como Nishi, o Izumi e até mesmo Reika. Durante os últimos volumes da série o autor joga na sua cara o que o ser humano é e como ele trata aqueles que são chamados de “animais” ou até mesmo “seres inferiores”, demonstrando cada vez mais esse lado do homem.
Agora falando um pouco da arte, os desenhos da série levam como um grande “pé na roda” a computação gráfica. Grande parte dos cenários são feitos no computador, dando uma sensação as vezes de estranhamento, mas logo você acaba se acostumando e gostando cada vez mais. Já o traço de Oku melhora bastante conforme os volumes passam, primeiro o desenho é bem simples, sem muitos detalhes (tirando os cenários), depois ele fica bem detalhado e realista, mas você só vai perceber isso quando a história estiver encaminhando para o final. A evolução é muito grande, os últimos volumes têm uma arte realmente muito bonita.
Um dos problemas do autor é a pornografia desnecessária, principalmente no começo da obra. Geralmente ele utiliza ela muito bem, mas as vezes exagera, ou a coloca em um lugar onde não é necessária.
Outro ponto importante é a diferença de se acompanhar a série e a de ler os volumes. Assim como Bleach (sem comparações com a história), ler de um em um capítulo faz você pensar “nossa, não aconteceu nada”, mas quando se lê um volume é bem recompensador. Para aqueles que acompanharam a série durante um bom tempo até o seu final, aconselho uma releitura, assim como fiz. Podem ter certeza que vão aproveitar muito, só não posso afirmar se vai ser como dá primeira vez que leram.
A edição brasileira possui tradução e adaptação excelente, assim como a parte “editorial” inteira. Já o material gráfico é o padrão de sempre da Panini, mas com um diferencial: páginas coloridas. Temos apenas uma página colorida nos volumes 5, 7, 9, 11, 13, 15, 17, 19, 21 e 22. E o lindo e sensacional “pôster” (que não é bem um pôster) no volume 28. A partir do volume 25 alguns têm contra capa colorida, que passou a ser padrão na Panini nos últimos anos.
O lançamento do título por aqui se deu ao mesmo tempo que Naruto e Bleach, pegando uma carona no “sucesso” dos mangás. Porém, alcançamos os japoneses várias vezes, então tivemos vários períodos longos de tempo sem nenhum volume novo no Brasil. Isso somado a dificuldade de achar os primeiros volumes (hoje em dia quase todos os volumes são complicados de se achar em um bom preço) fez com que a obra perdesse, aparentemente, um pouco da procura.
Quanto ao material gráfico, percebam também a diferença dos papeis ao passar dos anos, já que no primeiro volume você tinha um grande medo das páginas se soltarem. A capa tinha um papel com gramatura muito maior e o papel do miolo era um pisa brite mais fino. Com o tempo foi melhorando até chegar nos últimos volumes, que é o mesmo padrão da Panini atualmente.
COMENTÁRIOS FINAIS
Mesmo que você ainda não tenha tido nenhum contato com Gantz já deve ter ouvido falar do tão polêmico final. Grande parte dos leitores dizem que é péssimo, mas, diferente deles eu tenho uma outra opinião. Gantz sempre foi um mangá de muitas perguntas e poucas respostas, do começo ao fim. Várias não foram respondidas e nem por isso a obra perdeu o seu brilho. Mesmo com o final cheio de perguntas em aberto a obra consegue fechar muito bem, mas é claro que como um leitor, gostaria muito de ter tido essas respostas.
Gantz é aquela obra que cria um vínculo com você, e por menor que ele seja vai ter alguma coisa que vai sempre ficar contigo, pelo menos eu sinto isso. O “sentimento humano” demonstrado ali com certeza vai ser levado por mim para as mais diversas áreas, até para a maneira de viver. Pode parecer algo estranho, mas é assim que me sinto em relação a obra e espero que vocês consigam “ver” algo dessa dimensão.
Os alienígenas já podem estar no meio de nós.
FICHA TÉCNICA
Título: Gantz (ガンツ)
Autor: Hiroya Oku
Editora: Panini
Total de Volumes: 37 (Completo)
Valor: R$11,90
Pontos Positivos
- Adrenalina e ação na leitura do começo ao fim;
- Personagem principal tem um desenvolvimento absurdo. Provavelmente uma das maiores mudanças de protagonistas;
- Não se apegue a ninguém. O autor não tem medo de matar personagens.
Pontos Negativos
- Falta de respostas, deixando o mangá terminar com diversas lacunas em branco;
- Pornografia em momentos desnecessários, como simples fanservice e sem contexto na história necessariamente;
- Oku cria personagens demais e as vezes não sabe muito bem o que fazer com eles. Personagens muitas vezes bons, mas que acabam não possuindo tanto carisma para o leitor.
Nota Geral: ★★★★★