Quando uma autora coloca seus sentimentos reais dentro de uma obra.
Mangás shoujo focados no gênero do romance não são unanimidade. Apesar de usarem basicamente a mesma fórmula, pequenos detalhes na história podem mudar totalmente o jeito como algumas pessoas olham para determinadas séries. Uma dose a mais de drama, um romance mais doce do que caldo de cana, personagens carismáticos ou não. Tudo influencia no resultado final. E eu, como adorador do “gênero shoujo” (porque chamar de demografia nesse caso seria muito estranho) devo confessar que não encontro tanta resistência assim, preferindo tirar a conclusão de uma obra independente de comparar ou não com alguma outra. Isso me deixa com uma variedade de títulos muito maior para leitura, sem me deixar prender por rótulos.
Sukitte Ii Na Yo é mais um dos que entrou nesse caso. Com um anime lançado em 2012 e com a certeza de que o mesmo terminaria sem um encerramento sólido uma vez que o mangá ainda está em andamento, me aventurei na leitura da série em quadrinhos. E posso dizer que não me arrependo. Mais um shoujo clichê mas que trata de alguns assuntos de uma maneira interessante e bem aberta, diferente de outras obras que as pessoas possam estar acostumadas. Nada revolucionário, mas que vale a leitura para tirar sua própria conclusão.
A História
Mei Tachibana é o tipo de garota que não tem amizades, nunca namorou e simplesmente parece não sentir nem um pouco de falta nisso. Pra ela o importante é continuar focando apenas em sua vida. Mas as coisas mudam de rumo quando ela conhece Yamato Kurosawa depois de uma situação um tanto quanto inesperada. Ele é o garoto mais popular do colégio e aparentemente levou a sério aquele papo de “amor à primeira vista”. Ele se encanta pela garota e decide que quer conhece-la melhor, conseguindo trocar telefones com ela de uma forma também inusitada.
As coisas mudam mais ainda de foco quando ele é chamado por Mei em uma noite quando ela percebe que um “stalker” está a vigiando próxima ao seu trabalho. Para se livrar da situação, Yamato aparece no local e finge que é o namorado da garota, com direito a beijo e tudo mais. Acontece que aquele beijo serve como início para um sentimento que Mei desconhece e que terá muita dificuldade de lidar. Como a garota mais menosprezada do colégio conseguirá um relacionamento com o cara mais popular de todos?
Considerações Técnicas
Publicado desde 2008 na revista shoujo da Kodansha, a Dessert (a mesma de Tonari no Kaibutsu-Kun), Sukitte Ii Na Yo – também conhecido como “Say, I Love You” – possui 9 volumes e ainda está em andamento, sem nenhuma previsão de término. A série é de autoria de Kanae Hazuki e em outubro de 2012 ganhou uma adaptação animada pelo estúdio ZEXCS com 13 episódios (e que cobriu aproximadamente até o capítulo 28 do mangá, mas com muitos capítulos pulados e ignorados).
Logo no primeiro momento da leitura do mangá é necessário dizer que o traço pode causar estranheza à muitos. Ao mesmo tempo em que a autora consegue fazer cenas bonitas e agradáveis dentro do contexto do romance, o traço “palito” de seus personagens incomoda muito. Lembram as perninhas de 3 metros do CLAMP em xxxHolic e derivados, por exemplo. Óbvio que isso não vai interferir na história, mas como um mangá também deve ser avaliado pela arte, devemos comentar toda e qualquer possibilidade de “rejeição”. Outro ponto fraco da série logo no começo é a inconstância do traço principalmente em cenários. Em alguns momentos você se imagina lendo um fanzine ou algo do tipo. Não espere ver um traço trabalhado e enfeitado como um Kyou, Koi wo Hajimemasu ou algo simples e “meiguinho” como em Kimi ni Todoke. Aqui a coisa é um pouco mais bruta, mas sem perder o charme próprio.
Mas o charme de Sukitte não está apenas em seu traço como também em sua história. Quero deixar claro que a série é um clichê romântico antes de mais nada: o cara famoso que se apaixona repentinamente por uma garota que ninguém ligava. Quantos mangás já não viram isso? Se está com preguiça de puxar na memória, Kimi ni Todoke é um claro e fresco exemplo disso. Também não é mais motivo de exclamação um mangá tratar de temas como sexo (como Mayumi Yokoyama, por exemplo) ou mesmo bullying. Já estamos até certo ponto “saturados” de coisas desse tipo. Mas então onde está o diferencial de Sukitte? É simples: sua forma narrativa.
Apesar do mangá se arrastar no tema “até que ponto é certo eu transar com meu namorado” ou “estou insegura de transar com meu namorado” todo o contexto em si é desenvolvido rapidamente. Aqui os protagonistas não demoram anos para namorar, não fazem frescura em admitir um relacionamento e enfrentam problemas que qualquer casal na vida real enfrenta, como olhares diferentes dos outros – e inclusive de amigos de uma das partes – e a dificuldade de expressar sentimentos (algo que é bem “japonês”, por sinal). A todo momento vemos Mei com o conflito de como demonstrar seus sentimentos por Yamato. Ela não tem certeza ou ainda não se descobriu. Não sabe o que é certo ou errado, afinal ele é o primeiro relacionamento dela. Ela não sabe nem ao menos como reagir quando aparece um segundo interessado nela. Como alguém que era desprezada pela sociedade até pouco tempo poderia chamar a atenção? Ela estaria apenas sendo “levada” pela popularidade do namorado? Por que ela tem tanta dificuldade em dizer “Eu te amo” (desse princípio sai o nome do mangá) ?
A própria forma como Yamato é retratado também é muito convincente. Ele também é um personagem clichê – e muito mais do que Mei. É o típico cara famoso do colégio que se dá bem com todo mundo, que todo mundo gosta, que não tem inimigos, que as garotas caem em cima, mas que é bonzinho, nada arrogante e se dá bem com tudo. Mas com o decorrer da obra vamos percebendo a mudança do personagem. Ele erra no relacionamento com Mei constantemente, tendo muitas atitudes típicas de quem nunca teve um relacionamento sério. Ele também trata o fato de não ser mais virgem de uma forma indiferente. Não é como se ele se vangloriasse por isso – até pelas circunstâncias que aconteceu – e também não força sua namorada a nada. Chega a ser chato, mas bonito. Ele vai aprendendo a notar em cada detalhe de Mei, de sua simplicidade, do modo como ela se esforça para ficar com ele. É muito bonito perceber que entre os personagens existe aquilo que chamamos de amor e que realmente é capaz de mudar ambos.
Os personagens secundários também são importantes para o direcionamento do mangá. Novamente voltando aos clichês temos os casos de garotas que eram interessadas em Yamato e acabaram se tornando amigas do casal. Óbvio. Imaginável. Mas entre todos os personagens secundários dois chamam a atenção. Eu poderia citar o irmão mais velho de Yamato, Daichi, ou a principal rival de Mei, Megumi, mas prefiro dizer que Kai e Aiko são os que mais marcam com suas personalidades.
Lembram que havia dito acima que o mangá trata de temas como o bullying? Pois bem. Os dois personagens acima são os melhores representantes desse tipo de ação dentro da obra – mesmo todos tendo um caso assim. Aiko é o esteriótipo de garota gordinha que é “obrigada” a emagrecer para chamar a atenção da pessoa que ama. Kai é o garoto que sofre tanto que se vê obrigado a mudar de escola e mudar sua personalidade para “se vingar” daqueles que o perturbavam. É interessante perceber que a reação de qualquer personagem com reação aos ataque sofridos lembram muito ações que podem acontecer na vida real com qualquer um. E isso é amplificado pelo fato da autora ter vivido isso. Em seus freetalks (comentários) de volumes ela diz a todo instante que era uma jovem insatisfeita com seu corpo, que sofria com seus amigos e que tinha dificuldade em se relacionar.
Esse é o grande ponto forte de Sukitte: a forma como a autora consegue transparecer todos os seus sentimentos reais dentro da obra nos personagens secundários – e sem parecer cansativo ou um “filler”. Muito disso é simplesmente cortado do anime, por isso o mangá tem uma identidade muito maior com a linguagem que tenta ser expressa pela mangaka. Esses pequenos detalhes não tiram o clichê de Sukitte, muito menos seus problemas visuais, mas ajudam a obra a ser mais “sentida” pelo leitor, que consegue se envolver emocionalmente com muitos personagens. Não foram 2 ou 3 pessoas que eu vi comentarem “nossa, eu já passei por esse tipo de situação”. Muita coisa ali é tirada do dia-a-dia de uma pessoa que teve que conviver com seus problemas pessoais. Isso só traz ainda mais aquele gostinho de “shoujo” da obra.
Comentários Gerais
Sei que muitas vezes o anime ou o dorama ao qual uma série shoujo é adaptada acaba sendo a porta de entrada para o mangá. Acredito que Sukitte sirva da mesma forma. Talvez por esse motivo tenha preferido comentar sobre os quadrinhos, uma vez que o desenvolvimento é muito melhor, muito mais explanado e com personagens sendo melhores apresentados ao público. Se você gosta do gênero, deve se interessar por Sukitte. Se acha que todos os shoujos são iguais e que está cansado de romances, não deverá curtir a recomendação. No geral, posso dizer que é uma boa obra, sem nada excepcional mas que encanta em pequenos detalhes.
O mais legal é perceber o quanto é importante prestar atenção em cada palavra que os autores dizem nos freetalks de suas obras. Acabam sendo mais importantes do que você imagina e podem ajudar a entender determinada situação que se apresenta na série. Concordo que muitas vezes a pessoa que “resenha” algo consegue tirar explicações que talvez nem mesmo o autor tenha imaginado, mas quando podemos “tatear” esse tipo de coisa vindo do próprio, a coisa toma um rumo diferente. É interessante. De se pensar. Assim como o tema do mangá em um todo: será que um amor pode te mudar?
por Dih