Review – O Mito de Arata e o choque de dois mundos

Reinos, traições, viagens em mundos diferentes e Yuu Watase. Não, não estou falando de Fushigi Yuugi.

Lembro que quando comentei aqui de O Mito de Arata muita gente ficou com uma indagação do por que a Panini investir em um título totalmente desconhecido aqui, mesmo que apelasse para o nome de Yuu Watase, autora com uma boa fanbase por aqui graças à Ayashi no Ceres e principalmente, Fushigi Yuugi. Ainda mais por se tratar de um título da Shounen Sunday, revista pouco “investida” por aqui mas que conta com ótimas publicações. Bem, isso provavelmente vai continuar sendo uma dúvida eterna. O que importa é que na primeira semana de novembro o mangá chegou em nossas bancas.

Vou tentar explicar um pouquinho da sensação que tive ao ler o mangá e falar um pouco sobre o trabalho da Panini na edição que conta com a tradução de Karen Kazumi. Vale a pena investir em Arata?

História

Arata é o um jovem que sofre com um pequeno problema: ao lado de sua avó, ele é o último descendente de seu clã. O problema é que o descendente desse clã deveria ser uma mulher para  ocupar o posto de “Hime-Ou”, a princesa de seu mundo. Arata é obrigado à se vestir de mulher (traps everywhere) para salvar sua vida e de sua vó, para se encontrar com a princesa e receber o direito de se tornar o responsável por essa missão. Isso sem contar um misterioso poder que sua vó diz pertencer ao seu clã.

Porém algo inesperado acontece e no momento da cerimônia a princesa é ataca pelo seus próprios servos, os doze “shous” que controlam os hayagamis, espécies de poderes vindos através de uma arma em especial para cada um. Arata presencia o crime e é acusado pelos supostos assassinos de ser o culpado pelo atentado à princesa. O garoto sai correndo e foge para a floresta e acaba indo parar em uma espécie de “caverna” que lhe mudará totalmente sua vida…

Enquanto isso, no mundo em que conhecemos, um outro garoto chamado Arata Hinohara acaba de se mudar para uma escola colegial em busca de novas memórias e esquecer os problemas do passado, não revelando para ninguém que na verdade ele se trata de um verdadeiro prodígio dos esportes. O que ele não contava é que um dos estudantes que o conhecia desde a época de ginásio fosse para o mesmo local que ele, transformando sua vida em um inferno através de bullying e constantes cenas desagradáveis com Hinohara devido à um problema de infância.

Hinohara, enquanto caminhava por uma rua qualquer, se lamentando da situação e da vida que tem, acaba sendo atraído para dentro de uma espécie de “túnel interdimensional” que o transporta diretamente para outro mundo…

… e é aí que tudo começa. Arata vai parar em nosso mundo e Hinohara no fantasioso mundo do outro rapaz. Agora ambos terão que viver e conviver com os problemas do outro, além de juntos tentarem encontrar uma forma de voltarem para seus lugares de origem. Começa o Mito de Arata, a história de dois jovens que tem seus destinos entrelaçados por… mero destino? Descobriremos.

Considerações Técnicas

Antes de mais nada é preciso ressaltar que Arata é lotado de clichês. E muitos desses clichês são características da própria autora em obras anteriores. É impossível ler esse mangá e deixar de lembrar de Fushigi Yuugi. O ambiente, a caracterização dos personagens e dos arredores, a história, a personalidade que envolve todos… é tudo MUITO igual. Não vou me lembrar de detalhes agora, mas por exemplo, a cena da traição da protagonista de Fushigi Yuugi pela sua “melhor amiga” é visivelmente semelhante com as traições que rondam os dois Aratas.

Mas lembrar Fushigi Yuugi não é algo ruim (ao menos ao meu ver). Tão pouco signifique que o mangá seja igual ao shoujo. Arata parece ser mais movimentado, e mesmo não contando com muitas lutas no primeiro volume, parece que teremos algumas constâncias nelas no mangá. Chega a ser engraçado ver a narrativa shounen da Watase, uma vez que ela consegue mesclar bem o que sabe fazer de melhor (shoujo) com os elementos típicos desse tipo de gênero. Ao contrário de Fushigi Yuugi, ela não foca na paixão do protagonista: ele tem ideais, sonhos, desafios e problemas. É o básico de qualquer título assim e nisso ela sabe executar muito bem.

O roteiro é bem amarrado e consegue mesclar a história de reinos, deuses e todo o lado da fantasia com problemas do dia-a-dia, como o bullying (virou moda colocar isso em qualquer tipo de publicação ou mídia) e o problema de relacionamentos das pessoas. Além de ter aquela pitada de comédia e romance, mas nada que tire o foco do plano principal. Apesar do mangá ser voltado para a história dos dois Aratas, tudo gira realmente em torno de Hinohara, o garoto do presente que foi para outro mundo. Pode ser que isso mude um pouco com o passar do tempo, mas pelo que pude ver pela internet afora não muda muito disso. O outro Arata acaba sendo o “alívio” da série ao tentar se adaptar no nosso mundo com sua mentalidade.

Um grande ponto forte do mangá é a narrativa. A forma como Watase conduz a mudança de tempo que ocorre na história (no caso as aparições do mundo do passado e do presente e de seus personagens) não é feita de uma forma confusa ou sem nexo como vemos em alguns outros mangás desse tipo. É tudo de uma forma simples, muitas vezes feitas somente pela divisão de capítulos, mas que não deixa o leitor perdido tentando se localizar no meio da história.

O traço é inconstante, confesso. Mas não no sentido de ser ruim. Apenas a forma como ela enquadra cenas e desenha algumas situações são todas típicas de seus títulos anteriores. Você fica com a sensação de deja-vu se já leu Fushigi Yuugi. Embora o traço tente ser puxado para o shounen, a presença de um visual mais “leve” é iminente. A solução da autora é reforçar o traço e as linhas de definição, tanto de roupas e acessórios como da própria pele. Estranhei um pouco no começo, mas depois acabei me acostumando sem pestanejar muito. O resultado final é agradável, apesar de tudo.

Quanto à edição da Panini, nada demais para ser reclamado ou posto em cheque. A capa é bem semelhante à original e o título Arata Kangatari foi traduzido como O Mito de Arata, embora o mangá se chama Arata, The Legend nos Estados Unidos. Não é nada que vá influenciar ou impedir você de comprar o título. Também estão presentes na edição os “extras” do fim do volume, como nota da autora e das assistentes e algumas tirinhas bem engraçadinhas e bonitinhas. Capa interna colorida e sem páginas coloridas, para os interessados.

Opinião geral

O mangá passa longe de ser genial. É clichê, como já disse, mas bem executado. Não é o mangá que eu escolheria para encabeçar minha coleção, mas é aquele que se eu tiver um dinheiro sobrando no bolso com certeza irei pegar. Não me arrependi dos R$10,90 da compra e acho que outras pessoas que comprarem também não. É uma leitura gostosa, rápida, despretensiosa e que mesmo não sendo badalada ajuda a passar o tempo.

Porém como eu disse antes, se você não gostou de Fushigi Yuugi, mantenha-se longe desse título pois com certeza vai ser do seu desagrado. A autora continua a mesma desde suas obras anteriores e não haverão grandes surpresas ou expectativas se você já conhece o trabalho dela. Arata é a representação do “jeito Watase” de fazer mangá escancarado. Então sintam-se avisados sobre isso.

Se Arata foi alguma condição de contrato para a Panini publicar outro título da Shogakukan? Talvez. Mas prefiro não pensar nele assim. À alguns anos atrás reclamavam que as editoras só traziam “modinhas”  e deixavam de lado outros mangás que nunca veríamos por aqui. Agora elas trazem mangás desconhecidos e as pessoas dizem que deveriam trazer os pops. Não dá pra entender muito bem, mas tá valendo. Sugiro apenas que aproveitem aquilo que temos até aqui. Títulos como Arata, sem nenhuma “esperança” de um dia ser visto por aqui, agora estão em nossas mãos. Só significa o crescimento de nosso mercado e como podemos sonhar cada vez mais alto com nossas obras favoritas no Brasil.

por Dih

Dih

Criador do Chuva de Nanquim. Paulista, 31 anos, editor de mangás e comics no Brasil e fora dele também. Designer gráfico e apaixonado por futebol e NBA.